12 de março de 2022
“A única saída que o jornalismo tem é se render às Mulheres Negras, Indígenas e PCDs. Parar de pautar a gente e nos permitir pautar o jornalismo. Porque até agora as coisas não deram muito certo com homens dirigindo as redações.”
Sanara Santos, produtora-chefe da Énois
Olá, quem vos fala é a agente de formações da Énois, Sanara Maria dos Santos Araujo. Participo dessa coletividade desde de 2018, quando ingressei como aluna da antiga Escola de Jornalismo.
Se você nos acompanha, já deve ter percebido que somos compostas majoritariamente por mulheres que buscam tornar o espaço de trabalho um lugar de cuidado e que acolhe as necessidades das pessoas que compõem as equipes. Entendemos que o trabalho é uma extensão de quem somos, e não um espaço à parte, onde precisamos vestir uma fantasia robótica para cumprir metas.
Não estou falando que as mulheres são feitas para cuidar. Mas em uma sociedade que nos paga 25% a menos que homens e que dificilmente nos coloca em cargos de tomada de decisão, nos apoiarmos no ambiente de trabalho é a única saída para não ser esmagada pela típica competitividade masculina.
Das grandes redações que temos no Brasil e no mundo, quantas tem como editoras executivas Mulheres Trans, Negras, Indígenas, Brancas e PCDs? É um dado que nem se quer é apurado. Mas, olhar para a mais recente pesquisa sobre Perfil Racial da Imprensa, que sequer intersecciona o gênero, me mostra a relevância do tema: homens e mulheres negros ocupam menos de 40% dos cargos gerenciais das redações. E olhar para as redações de fora dos territórios e os corpos que a compõem me faz lembrar da frase da escritora e ativista negra Angela Davis: “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”. Será que a falta de credibilidade do jornalismo não está atrelada também à falta de diversidade, e mais especificamente de mulheres negras e indígenas para movimentar e atualizar as pautas, formas e papéis do jornalismo e da comunicação?
Carla Siccos, fundadora do CDD Acontece, utiliza o Whatsapp para criar grupos de transmissão que distribuem informações a mais de 9.000 pessoas na Cidade de Deus, Rio de Janeiro. É uma inovação e conhecimento que impressionam até mesmo os gestores da plataforma. Negra, periférica e mulher, Carla entendeu que em sua comunidade a informação chega de outra maneira, e que para informar era preciso se comunicar. Ela é uma entre tantas outras grandes comunicadoras locais do país, que faz a partir da realidade e serve as comunidades em que atua. Não é isso que se discute para o futuro do jornalismo?
Então porque o jornalismo como um todo não nos ouve e segue? Na minha opinião, o diagnóstico é simples: colocar uma mulher em um cargo de tomada de decisão é dar liberdade e respaldo para ela romper com as “brotheragens” e fazer jornalismo a partir da diversidade como padrão, evidenciando que a neutralidade e a imparcialidade jornalísticas são brancas, heteronormativas, capacitistas e não inclusivas. Assim, escolher um lado é sobre abrir mão – ou manter – privilégios.
Se você, homem, editor, repórter, gestor quiser abrir mão dos seus, é extremamente importante começar a rever suas posturas com as mulheres assumindo e percebendo nossa desigualdade em relação aos seus iguais. E buscando neste ato identificar as micro e macro violências. Para transformá-las e repará-las.
A violência de não poder questionar um homem
Questionar, que é o trabalho base do jornalismo, é um desafio para muitas mulheres jornalistas, principalmente para uma mapoua (Gíria usada para se referir a uma mulher bissexual, lésbica ou homens gays). Um estudo sobre violência de gênero contra jornalistas, da UNESCO e da Abraji, mostra que mulheres jornalistas (cis e trans) foram 91,3% das vítimas em 2021.
O presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) é um perfeito e bem conhecido exemplo, já que ataca jornalistas e principalmente as mulheres, desde quando era deputado. Como esquecer do ataque à apresentadora da CNN Daniela Lima que foi chamada de quadrúpede?
E como somos corpos interseccionais, essas violências atravessam o gênero e se fortalecem nas questões de raça e capacitismo. Mulheres negras, indígenas e PCDs não somos mulheres, mas mulheridades com corpos, comportamentos, sonhos, metas e necessidades diferentes. Cada mulher é uma, e suas singularidades têm que ser levadas em consideração, para além do que é o ser “feminino”. Sim, a violência também vem de outras mulheres.
Poderíamos fazer uma série de newsletters sobre o tema das mulheridades e como nós somos atravessadas pelo jornalismo. Mas acredito que há uma saída para o jornalismo: se render às Mulheres Negras, Indígenas e PCDs, parar de pautar a gente e nos permitir pautá-lo. Porque até o jornalismo e a sociedade perderam muito só com homens dirigindo as redações!
Podemos continuar essa conversa! Me escreva: sanara@old.enoisconteudo.com.br
Separei alguns passos que podem te ajudar a incluir mulheres e diversificar seu banco de fontes, para reportagens.
8 passos para aumentar o número de mulheres ouvidas nas reportagens
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