01 de Março de 2021
Se você não dá atenção às estratégias de distribuição, essa é pra você
Sanara Santos
Produtora-chefe
Bem-vindes à primeira Diversa do Ano 🙂 Se você é nova/o por aqui, chega mais! Neste espaço trazemos os aprendizados que colhemos e reflexões que fazemos no nosso laboratório de jornalismo.
Hoje queremos conversar com você sobre distribuição de conteúdo, um assunto que muitas vezes é negligenciado nas redações por falta de tempo ou equipe. A gente entende que pensar o jornalismo a partir da distribuição é priorizar as necessidades de informação do público que queremos atender. E que quando isso não é levado em consideração, a gente acaba falando com o próprio umbigo. Por isso, fazer jornalismo é mais do que publicar. É fazer a mensagem chegar – e isso tem tudo a ver com diversidade. Vem comigo!
Na mídia tradicional, a distribuição normalmente está dada: se você é um jornal impresso, precisa trabalhar sua distribuição nas bancas e plano de assinaturas. Se é um portal: entender as dinâmicas das redes sociais, email marketing, sistemas de busca, de gerenciamento de mailing, anúncios, etc. Mas e quando você quer falar com a quebrada? Ou para pessoas que não têm acesso à internet? Ou não estão acostumadas a ler jornal e acompanhar o Twitter?
Quem cobre e se comunica com as favelas e periferias sabe: o papo é reto. Nessa dinâmica são as pessoas que precisam ir atrás da informação, e não o oposto. Vivemos em um território historicamente, socialmente, politicamente e culturalmente desigual – e na era da desinformação. Então fazer a informação chegar seja talvez a etapa mais importante do processo jornalístico para essas iniciativas. São elas que estão conseguindo “aguar” os desertos de notícias onde uma em cada quatro pessoas no Brasil não têm acesso à internet (IBGE 2020) e onde o número de jornais online aumenta a cada ano, esse ano temos 32% de mídias jornalísticas online. – enquanto acompanhamos o fechamento de impressos.
Na Énois, a gente já experimentou a distribuição de várias formas. Nas eleições de 2018 fomos o primeiro projeto a fazer checagem de mensagens de cunho político diretamente no Whatsapp (leia aqui sobre o Checazap). Foram mais de 300 grupos monitorados e 20 mil mensagens trocadas. Também criamos, em 2019, um podcast pra explicar como a corrupção impacta no dia a dia dos brasileiros e fizemos rodas de escuta coletiva dos episódios e debate em saraus das quebradas pra fazer o conteúdo chegar (aqui você ouve os episódios do Corrupcast). Teve até lambe-lambe com dados apurados pelos repórteres colados nos muros da cidade.
No comecinho da pandemia, nos aliamos a três organizações de mídia para fazermos uma cobertura sobre os impactos da pandemia com foco em gênero, raça e território. Pra distribuir esse conteúdo, criamos uma biblioteca no Whatsapp onde convidamos lideranças locais de diversas periferias do Brasil. Essas pessoas atuaram como nós de rede, distribuindo a informação a quem mais precisava. (Aqui os resultados do #EspecialCovid)
Também em 2020, o Prato Firmeza teve sua primeira edição sobre culinária afrocentrada porque foi criado para ser distribuído durante a Feira Preta – maior evento de empreendedorismo negro do Brasil. “Pensamos na distribuição através de parcerias de produção e de distribuição”, conta Gabriella Mesquita, analista de distribuição na Énois. “Tinhamos um público-alvo muito bem detalhado, queríamos falar com empreendedoras e empreendedores negros e negras da cidade de São Paulo que se identificassem com nosso conteúdo e também alcançar a juventude empreendedora periférica com ajuda de veículos locais. Também entramos na programação oficial do Festival Feira Preta, que pela primeira vez aconteceu online. Acabou que o impacto expandiu a bolha e chegou na grande mídia também.”
Já o zine “Um guia de autocuidado para quem cuida”, produzido por Roque Marciano, 26 anos, artiste não-binárie e morador de Santo André, foi pensado a partir de uma demanda de informação de mães e cuidadores que, sem acesso à internet, não sabiam a quem pedir apoio durante a pandemia. Foram mil exemplares distribuídos em Santo André, no encontro de Mães do Clube de Campo e em Paraisópolis, nas cestas entregues para mães pela CUFA, organização social que atua na região.
“No começo da quarentena eu mal conseguia tempo para pentear o cabelo. Depois dei uma despertada, até porque o pai do meu filho está ali exercendo sua responsabilidade. É importante se colocar em primeiro lugar, inclusive hoje eu vim de uma consulta médica e acho que é uma tentativa de não me colocar em segundo plano”, disse Francisca Xavier, 40, mãe de duas crianças, que recebeu o impresso. Francisca disse que pela primeira vez estava tendo contato com esse tipo de conteúdo.
Também apoiamos a Agência Mural no desafio de distribuir os episódios eleitorais do podcast Em quarentena pra mais gente. Durante os sete dias que antecederam as eleições municipais em São Paulo, alugamos um carro de som que circulou tocando o conteúdo produzido pela Agência nas regiões de Brasilândia, Jova Rural, Perus, Guaianazes, Cidade Tiradentes, Paraisópolis e Grajaú que juntos têm 396.3784 habitantes. Você pode ver como foi o processo nesse vídeo que a Mural produziu.
“Foi notável a atenção do público ao conteúdo do carro de som”, conta o jornalista e fotógrafo Léu Britto, 33, que acompanhou o carro pelas quebradas. O projeto de levar o áudio pra rua foi uma estratégia de popularizar um tema como a política, ainda tão cheio de códigos e sensível pras pessoas.
E aí, bora colocar a distribuição como etapa inicial da pauta? Como considerar a distribuição uma etapa que é da responsabilidade de quem escreve, esteja dentro ou fora da redação? Como você planeja fazer a sua informação chegar?
A gente criou um passo-a-passo que pode te ajudar!
1) Defina 5 perfis de pessoas que são foco de distribuição no seu território.
Ex: Lideranças locais, radialistas locais, o motorista do caminhão do ovo, a cabeleireira do bairro, o professor da escola pública…
2) Como você faz pra entrar em contato com elas?
Pense nas maneiras para contatar e começar uma conversa com essas pessoas. Por exemplo, via WhatsApp, no boca a boca, ligação de voz, com zines e mídias impressas.
3) Qual o tipo de conteúdo ou formato que é comum para as pessoas aí na sua quebrada?
Observe qual a linguagem mais usada pras pessoas se falarem e quais assuntos geram maiores dúvidas. Planejar o jeito que você vai falar e o que você vai informar é um passo importante para conseguir chegar no seu público.
4) Crie laços com essa galera!
Depois de entregar uma informação, não perca contato com essa pessoa. Procure saber o que ela achou da produção, se deu pra ela entender a informação que você passou, se tem outras dúvidas na sua quebrada que você poderia responder…
5) Avalie o seu trampo.
É importante saber se seu objetivo está sendo cumprido. Que tipo de informações você precisa ter para saber se o seu projeto está fazendo sentido pras pessoas a quem ele se destina? Quais são as perguntas que precisa fazer para seu público? O que e como você precisa registrar o processo para analisar depois?
Se quiser continuar essa conversa escreva para: sanara@old.enoisconteudo.com.br
> No começo de fevereiro foram anunciadas as vencedoras do Concurso de Reportagem sobre COVID-19 do ICFJ. Entre elas, estão Camila Silva e Kátia Brasil, que ganharam com a reportagem “Dória diz que auxílio-merenda chega a todos que precisam. Estas 10 mães mostram que é mentira”, para o The Intercept Brasil; e Ludimila Honorato, que ganhou com a reportagem “Cidade de São Paulo chega a 10 mil mortes por covid-19; conheça perfil das vítimas”. Parabéns, mulheres! 🥳
> No seu aniversário de 100 anos, a Folha de S. Paulo anunciou o lançamento de um programa de treinamento destinado somente a profissionais negros. É a primeira vez que a organização adota essa política. Desde 2019, a Énois está na Folha apoiando a estruturação da editoria de diversidade do jornal e com base nessa experiência desenvolvemos o Índice de Diversidade, um caminho de ferramentas para a inclusão da diversidade no dia a dia da produção. A construção de um processo seletivo diverso é um dos caminhos que indicamos que as organizações precisam construir e que pautou o programa de treinamento do jornal.
> Começamos a quinta edição do curso Jornalismo e Território. A turma do Centro-Oeste chegou animada e com disposição! Esse ano o projeto continua e ainda vai render bons frutos. Em 2020, tivemos 340 inscritos e 80 jornalistas periféricos formados. Eles e elas eram das favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo, e de vários estados do Norte e Nordeste do país. Mais da metade das participantes fizeram um curso de jornalismo pela primeira vez. 72% fazem parte de coletivos de comunicação ou jornalismo locais. Nesse processo, mapeamos 114 veículos em 18 estados diferentes. Saiba mais.
> Já degustou as comidas das cozinhas selecionadas no Prato Firmeza Preto? Se ainda não, você não sabe o que tá perdendo… Espia lá! Ah, e também dá pra espiar o tanto de coisa que a gente fez com o Prato Firmeza no ano passado. A versão online do guia teve mais de 300 downloads e distribuímos mais de 1000 livros impressos com marmitas, cestas básicas, e nas casas de todas as pessoas que fizeram parte da construção do PF em 2020. Diz aí, você também gostaria de ter seu exemplar? Conta pra gente no pratofirmeza@old.enoisconteudo.com.br. Estamos pensando aqui se rola uma reimpressão…
Um salve e muito obrigada a todes apoiadores da Énois ♥
Ana Luiza Gaspar, Amanda Rahra, Angela Klinke, Anna Penido, Bernardo de Almeida, Camila Haddad, Carolina Arantes, Claudia Weingrill, Daniela Carrete, Danielle Bidóia, Danilo Prates, Darryl Holliday, Felipe Grandin, Fernanda Miranda, Fernando Valery, Flavia Menani, Fred Di Giacomo, Frederico Bortolato, Giuliana Tatini, Guilherme Silva, Juliana Siqueira, Júnia Puglia, Larissa Brainer, Luciana Stein, Mauricio Morato, Natalia Barbosa, Nataly Simon, Rafael Wild, Renata Assumpção, Susu Jou, Tatiana Cobbett, Vanessa Adachi, Vinícius Cordeiro e Vitor Abud. Se você quer ver seu nome aqui, basta se tornar nossa apoiadora ou apoiador: benfeitoria.com/enois